O FEIJOEIRO Feijoada – História da Feijoada no Brasil

A feijoada é, sem dúvida, um dos pratos mais emblemáticos da culinária brasileira. Saborosa, farta e afetiva, ela está presente em almoços de domingo, reuniões de família e celebrações culturais por todo o país. Mas apesar de sua popularidade, a origem da feijoada é motivo de debate entre historiadores, antropólogos e gastrônomos. Ao longo do tempo, diferentes vertentes surgiram para explicar onde e como nasceu esse prato tão simbólico. Abaixo, exploramos as principais teorias sobre o nascimento da feijoada brasileira.


1. A Vertente das Senzalas

A versão mais popular — e também a mais romântica — é a de que a feijoada teria nascido nas senzalas, como criação dos escravizados africanos no Brasil. Segundo essa narrativa, os senhores de engenho consumiam as partes nobres do porco e descartavam os pés, orelhas, rabos e outras vísceras, que então eram aproveitados pelos escravizados, que os cozinhavam com feijão preto, formando um prato robusto e nutritivo.

Essa versão é amplamente difundida no imaginário popular e na tradição oral brasileira, mas não é consensual entre estudiosos. O antropólogo Carlos Alberto Dória, por exemplo, questiona essa hipótese. Em sua obra “A Culinária Brasileira: História e Receitas” (2014), Dória argumenta que as partes do porco usadas na feijoada não eram descartadas pela elite, mas sim consumidas por todos os estratos sociais, tanto no Brasil quanto na Europa.

O historiador Luís da Câmara Cascudo, em “História da Alimentação no Brasil”, também critica essa vertente, apontando que os cortes ditos “menos nobres” do porco sempre fizeram parte da dieta portuguesa, sendo usados em pratos como o cozido à portuguesa e a feijoada europeia. Segundo Cascudo, a alimentação nas senzalas era baseada sobretudo em farinha de mandioca, milho, carne seca e feijão simples, e raramente incluía carnes de porco frescas ou defumadas.


2. A Influência Portuguesa

Uma segunda vertente, com forte respaldo acadêmico, afirma que a feijoada brasileira é uma adaptação local do cozido português. Este prato europeu consiste em legumes e carnes cozidas em longo tempo, com diferentes ingredientes como batatas, couve, embutidos e carnes de porco.

Segundo Carlos Dória e o sociólogo Gilberto Freyre, a técnica de cozinhar várias carnes com leguminosas era muito comum entre os portugueses, e foi trazida para o Brasil ainda no período colonial. A diferença é que, aqui, a leguminosa predominante passou a ser o feijão-preto, muito consumido no Rio de Janeiro e região Sudeste, em oposição ao grão-de-bico e outras variedades mais comuns em Portugal.

Nesse processo de adaptação às condições e ingredientes locais, a feijoada foi se moldando ao paladar brasileiro e à disponibilidade regional — incorporando farinha, arroz branco, couve refogada e laranja como acompanhamentos.


3. A Feijoada como Produto dos Restaurantes Urbanos

Outra vertente, menos conhecida, mas bastante relevante, aponta que a feijoada como conhecemos hoje teria surgido nas casas de pasto e restaurantes do Rio de Janeiro do século XIX. Segundo essa teoria, o prato teria sido criado propositalmente como uma especialidade “à brasileira”, inspirado no cozido europeu, mas tropicalizado.

Pesquisadores como Nuno Gonçalves e Carlos Dória argumentam que a feijoada completa com arroz, couve, farofa e laranja foi um prato pensado para atrair o público urbano carioca, inclusive a classe média em ascensão. As referências mais antigas à feijoada servida como prato completo em restaurantes datam de 1833, na imprensa do Rio de Janeiro.

Essa versão também ajuda a explicar por que o prato ganhou tanta força cultural no século XX, sendo adotado como símbolo da brasilidade por políticos, artistas e intelectuais, especialmente durante o período de construção de uma identidade nacional.


Conclusão: Um Prato, Múltiplas Raízes

Ao que tudo indica, a feijoada brasileira é fruto de um processo de hibridização cultural. Provavelmente, não nasceu exclusivamente nas senzalas nem tampouco foi uma simples réplica do cozido português. Ela foi sendo construída aos poucos, a partir da interação entre indígenas (que já consumiam feijões), africanos (com sua rica tradição de guisados e cozidos) e portugueses (com seus ensopados de carne).

Hoje, a feijoada é um símbolo do Brasil — tanto por sua origem múltipla quanto pelo seu poder de reunir as pessoas em torno da mesa.